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Na pancada do PA

A experimentação sonora tecnológica da cena Manguebeat.



Na segunda edição de A gravação e a reprodução do som, de 1952, o engenheiro eletrônico, editor de rádio e televisão Oliver Read descreve, no capítulo 22, os elementos de um típico PA (Public Address - tradução literal – endereçamento público). O típico PA dos anos 50 incluía microfones, um sintonizador de rádio AM-FM, um toca discos, um console de mixagem, amplificadores e um ou mais alto-falantes. Os sistemas mais elaborados incluíam linhas telefônicas, gravadores e fontes elétricas com voltagem regulada. O PA era, portanto, um sistema que se alimentava de eletricidade para distribuir som para os espaços sociais da indústria, do entretenimento ou para as instituições públicas de diversas finalidades.


Nos diagramas apresentados por Oliver Read, os equipamentos são tipificados segundo a numeração de componentes eletrônicos da Western Electric, empresa que detinha as principais patentes das gravações e reproduções elétricas do som desde os anos 1920. Entre as muitas aplicações de um sistema de PA estão os espaços recreativos, entre os quais se situam os salões de dança (dance halls). Quatro funções do PA são indicadas para esses espaços no esquema de Oliver Read - fazer anúncios/avisos ao público; suplementar o som da orquestra; ser a própria orquestra; e fazer ballyhoo, ou seja, fazer barulho, propaganda, chamar a atenção para uma cena, acontecimento ou produto. (P. 520)


A jornalista Lorena Calábria narra no Livro do Disco Chico Science & Nação Zumbi: Da lama ao caos como nasce a cena Mangue.


“A evocação do Recife daquele período, como num poema de Manuel Bandeira, é de um “Recife morto, Recife bom”. Época impropria onde nada acontecia, final dos anos 1980, vida cultural estagnada, nenhuma promessa no horizonte. Ou você ia num bar ouvir as mesmas músicas que martelavam nas FMs, ou se imbuia do lema punk “do it yourself” e produzia suas próprias festas”.

A primeira festa produzida pela embrionária cena Mangue foi “Sexta sem sexo”. O cartaz tinha arte de Helder Aragão (DJ Dolores):

“eu diria que a cena Mangue começa como uma cena de DJ, de selector, e passa por uma evolução natural, que seria compor, tocar música ao vivo”.

O ballyhoo da cena Mangue contava com seus “ministros”, evocando o governo paralelo dos Panteras Negras. O núcleo base era composto por Renato L “ministro da informação”, H. D. Mabuse “ministro da tecnologia”, DJ Dolores e os parceiros Fred Zeroquatro e Chico Science. No prostíbulo da Adilla, a tecnologia da Sexta sem sexo era Low Fi:

“o DJ da casa tocava com um toca-discos, mixer e um aparelho de rádio! Então, uma das músicas sempre era na sorte. O que estivesse tocando no rádio na hora”.

As referências vinham de terras distantes:

“a gente era louco por aquela cena de Manchester, acid house, o álbum Screamadelica do Primal Scream”

conta o ministro da informação, Renato L.


DJ Dolores explica que a cena se fortalece porque no ano de 1989 em Recife,

“conseguir disco importado era um problema. Se tem outro maluco que gosta disso também, vamos formar uma banda”.

E as bandas se formavam entre Olinda e Recife, como atesta Fábio Trummer, da banda Eddie.

“Era comum emprestar equipamentos para os ensaios da Orla Orbe, Chico Vulgo e Lamento Negro. E Chico era muito fã da Eddie, dava vários toques e estava presente nos nossos shows, de camiseta da banda e tudo”.

Para Fábio Trummer, a música da Eddie que melhor se encaixa no estilo Mangue de se expressar é - Quando a maré encher.


Fred Zeroquatro lembra que nos primórdios a cena Mangue

“era uma espécie de compromisso coletivo, como se vivêssemos numa guerrilha”.

Zeroquatro conta que o manifesto Manguebit “era b, i, t – no inglês ouve-se bait, mas por associação sonora tornou-se beat – soando bit em brasileiro”, foi escrito a quatro mãos com Renato L, e era um release, uma tecnologia de divulgação para uma festa/evento para arrecadar dinheiro e gravar uma coletânea.

“Seria independente, com parte do meu salário de repórter de TV e de Chico, vindo da Emprel” (empresa municipal de informática do Recife).

A coletânea começou a ser gravada em 1992 e foi batizada de “Caranguejos com cérebro”, título da faixa de Vinicius Enter.


A cena Manguebeat é fortemente atravessada pela experimentação sonora tecnológica. Zeroquatro chega a compor “Computadores fazem arte” originada de uma pesquisa sobre a palavra arte.

“A origem mesmo vem de técnica. E domínio técnico é dubio, porque tanto tem a ver com a parte industrial, o know how, como a da inspiração.”

O baterista Pupillo testemunhou a cena Mangue desde os primórdios. O disco Da lama ao Caos foi para ele um divisor de águas.

“Falo como público. Eu achava que era só pra Recife que acontecia. Com o disco, um monte de bandas passou a usar ritmos fadados ao ostracismo. Mestre Salustiano, Dona Selma do Coco, Lia de Itamaracá reaparecendo.”

Música popular de raiz e tecnologia de comunicação fizeram o ballyhoo da cena Mangue. O legado de Chico Science subverteu o paradigma do folclore ao “modernizar o passado”, levando instrumentos de couro de bode, pau e lata pro lado da guitarra elétrica, misturando captadores a outros transdutores de energia, criando “uma evolução musical”, projeto manifesto de colocar uma cultura subalternizada viva no tempo da história, transmitindo seu recado, seu barulho, seu ballyhoo para as massas, Na Pancada do PA.


Chico... eu trabalhando na empresa da prefeitura. Eu era contínuo e Chico era auxiliar administrativo.
- Você toca?
- Eu toco numa banda chamada Lamento Negro.
- Pô, que nome legal! Eu também toco, tenho uma banda chamada Loustal, e a gente faz uns funks. A gente quer fazer uma fusão de maracatu com funk, com rock.
Ai a gente começou a conversar, e foi se afinando a conversa. Levei ele no Daruê Malungo. O Lamento Negro também ensaiava lá no Daruê Malungo porque tinha um som, e a gente precisava do som. Eu disse - Chico, aqui tem um som, e quando a gente quiser fazer algo vem aqui e marca uma pauta, e a gente ensaia. Aí começamos a ensaiar no sábado, depois do Daruê que tinha um espetáculo e, quando terminava, começava o ensaio da gente, que era Lamento Negro e Chico. Nessa época ele se chamava Chico Vulgo, o louco das ideias, o marginal da música.

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CRIAÇÃO

Animação e
desenho gráfico:

RENATO TELES

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Locução e
desenho sonoro:

A pesquisa de conteúdo deste site é feita com o apoio da bolsa de doutorado CAPES PROEX, do programa de pós-graduação em história social da FFLCH da USP.

BRUNO TAVARES

Nome da Pesquisa de Bruno Tavares Magalhães Macedo (2021-2025):

Obsoleto contemporâneo. Ouvindo em máquinas falantes uma história do som brasileiro (1911-2011)

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