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O Estúdio Etnográfico

Para além da escolha dos equipamentos, quais outras escolhas técnicas orientam o registro etnográfico?



Começamos este segundo podcast falando do Turista Aprendiz. Conta o pesquisador Álvaro Carlini que após a realização de sua segunda viagem etnográfica (1928-29), Mário de Andrade desejou voltar ao Nordeste brasileiro com o objetivo de complementar suas observações e notas para o planejado volume do livro Na Pancada do Ganzá. Em correspondência com Luís da Câmara Cascudo (1898-1984) diz Mário de Andrade. 

“Na Pancada do Ganzá além de título bonito como o quê, é modesto, me permite contar que em dois meses e pico de passeio e amigos, inda achei tempo de amar a vida nordestina e revelar os tesouros dela.” 

Durante essa viagem, o Turista Aprendiz em diversas oportunidades observou as dificuldades que enfrentava para anotar musicalmente as melodias entoadas por cantadores populares. 

“Ora está me parecendo que os coqueiros nordestinos usam também entoar com número de vibrações que afastam o som emitido dos 12 sons da escala geral. O quarto-de-tom de que a música erudita não se utilizou na civilização europeia, esse estou mesmo convencido que os nordestinos dão. Já topei com ele três feitas nesta viagem, entoado pela preta Maria Joana, cantadeira famanada de Olinda, e por um catimbozeiro natalense. Mas pra decidir mesmo no caso de que trato carecia de aparelhos especiais que não tenho aqui.” 

Listaremos agora os equipamentos do estúdio etnográfico de que Mário de Andrade virá a se servir, quase dez anos depois, na Missão de Pesquisas Folclóricas, em 1938.


A descrição dos equipamentos adquiridos pela Discoteca Pública Municipal durante 1936-1937. [...] Os novos equipamentos de gravação adquiridos para os trabalhos de campo da Discoteca Pública Municipal são de origem e tecnologia norte-americana, considerados como “(...) dos mais aperfeiçoados e modernos (...)”:


Importado dos Estados Unidos, o equipamento gravador de 16 polegadas, marca Presto Recorder, juntamente com os acessórios que garantem seu melhor desempenho: amplificador, pré-amplificador, baterias de 6 volts (para locais sem energia elétrica), motor de 2 rotações, 2 microfones dinâmicos, um tripé para suporte dos microfones, 2 jogos de cabos para microfone com 100 pés cada um, além de um par de fones de ouvido para controle de gravação.


No afã de produzir uma pesquisa científica consistente, Mário de Andrade pensa o uso destes equipamentos importados dos EUA na missão de registrar com fidelidade a expressão aural do folclore. Seu pensamento antecipa as dificuldades fonográficas de produzir o som coerente de uma expressão musical, a chamada gravação de alta fidelidade, apontando como ocorreu seu processo experimental de busca do resultado sonoro que atendesse ao padrão técnico de uma missão de pesquisas científica. 


“(...) Convém, todavia, não esquecer as deficiências das insensíveis máquinas registradoras. Pelas experiências já feitas na Discoteca [Pública Municipal] os cantadores, os solistas, as figuras vocalmente principais (...) perdem totalmente, ou quasi, a perfeição rítmica e a facilidade de entoar, quando parados e postos à parte da dança. Não é, pois, possível, ou será dificílimo, pô-los junto a um microfone, pra que cantem fora da dança ou sem ela. É o microfone que terá de ir até eles e não eles virem aos microfones. Mas, pressuposto um microfone móvel, que pelo ar fosse conduzido junto à boca dos cantadores principais, e se movesse com estes, como estes estão misturados na dança aos instrumentos de percussão e dominados pelo ruído, o insensível microfone registraria tudo, um estrondo ritmado em que não se poderia distinguir bem a melodia e muito menos o texto.”
- Solução encontrada por Mário - “(...) colocando a percussão num terceiro plano afastado, diminuindo-lhe a intensidade pela exclusão de instrumentos redobrados; e finalmente pedindo aos tocadores que executassem com menos força as batidas.”
- Ao final Mário recomenda - “Por agora, pelo menos, julgo que o melhor processo é colocar o microfone como se fosse um observador humano qualquer, isto é, a distância pequena do samba, e registrar assim, com o microfone imóvel”.

Mário opta pela técnica de gravação clássica, onde o microfone é o observador sonoro de um ponto de escuta. O que desejava Mário de Andrade era capturar a dinâmica de textos e melodias poéticas produzidas de improviso nos folguedos populares. Gravar seu momento de criação. Para conseguir esses textos melódicos da criatividade popular Mário preferia quando o informante conseguia produzir o seu canto sem acompanhamento.


Mas Mário de Andrade não chegou a registrar o maior inspirador de sua sonhada Na Pancada do Ganzá. Escreve o Turista Aprendiz em Natal, 10 de janeiro (1929), às 23 horas: 


“O que faz com o ritmo não se diz! Enquanto os três ganzás, único acompanhamento instrumental que aprecia, se movem interminavelmente no compasso unário, na pancada do ganzá, Chico Antônio vai fraseando com uma força inventiva incomparável, tais sutilezas certas feitas que a notação erudita nem pense em grafar, se estrepa.” 

53 anos depois, outro estúdio etnográfico grava Chico Antônio no balanço do ganzá:


Gravação de som realizada no Sítio das Porteiras, município de Pedro Velho, Rio Grande do Norte, nas casas de Chico Antônio e de seu filho Antônio Francisco Moreira, nos dias 28 de agosto e 26 de setembro de 1982, por José Maria Neves e Conrado Silva.


Com dois microfones AKG D310 (microfones dinâmicos para vocais) e dois microfones AKG D1200 (microfones com controle de frequências e polaridade). Gravador de fita cassete Sony TC-D5, fitas Scotch e Scotch Classic. Montagem de fita no Estúdio Tacape, SP. Corte do Long Play na RCA, em 11 de outubro de 1982.


É a antropóloga Lélia Coelho Frota do Instituto Nacional do Folclore que nos conta:

Este disco é resultado do encontro entre dois grandes comunicadores brasileiros: Chico Antônio e Aloísio Magalhães. Através da obra de Mário de Andrade, Aloísio tomara conhecimento da existência do coqueiro Chico Antônio, que Mário costumava dar como exemplo do significado e abrangência da cultura do povo, distinguindo as tradições móveis das imóveis.

Lélia cita o Turista Aprendiz, que afirma serem as tradições móveis “por exemplo, a cantiga, a poesia, a dança populares”. Neste sentido, dizia Aloísio Magalhães, as tradições que se transformam precisam que entre o saber erudito e o saber popular ocorra um movimento recíproco, a ênfase do ato de gravar se põe sobre o caráter comunicacional do disco: O que o som do coco transmite, dizia Chico Antônio, “é a vontade do camarada cantar”. 



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CRIAÇÃO

Animação e
desenho gráfico:

RENATO TELES

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Locução e
desenho sonoro:

A pesquisa de conteúdo deste site é feita com o apoio da bolsa de doutorado CAPES PROEX, do programa de pós-graduação em história social da FFLCH da USP.

BRUNO TAVARES

Nome da Pesquisa de Bruno Tavares Magalhães Macedo (2021-2025):

Obsoleto contemporâneo. Ouvindo em máquinas falantes uma história do som brasileiro (1911-2011)

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