
Cangoma Calling - Field recordings by Stanley and Barbara Stein. Download em formato mp3 (acessado em 01/10/2024).
“Memória do Jongo – As gravações históricas de Stanley J. Stein (Vassouras, 1949)”, organizado por Silvia Hunold Lara e Gustavo Pacheco, joga luz à discussão sobre o Jongo mas traz também gravações raras captadas em Vassouras pelo pesquisador Stanley Stein no final da década de 40, com registros de Jongos, Folias de Reis, Calangos, modas populares e até o equivalente a um samba-enredo." fonte: BN (postado em 01/12/2022 e acessado em 01/10/2024).
(Stanley Stein, 2013) - Gostaria de ser considerado aqui na função de técnico, nada mais e nada menos, simplesmente porque, há cerca de sessenta anos, achei de gravar, em um gravador de arame da General Electric, antigo e muito pesado, o que eu pensei que fossem apenas canções de trabalho (por nós chamadas de “canções tagarelas”) mas eram jongos cantarolados por ex-escravos, ainda lembrados na voz de seus descendentes, numa antiga plantação de café no município de Vassouras, no Vale do Paraíba, Estado do Rio de Janeiro.
Gravadores de arame foram inventados e patenteados no início do século XX, desenvolvidos durante a segunda guerra mundial e comercializados nos anos 1940 antes da chegada ao mercado dos gravadores de fita magnética. Os aparelhos trazem num mesmo corpo físico amplificadores de microfones e de alto falantes integrados.
(Stanley Stein, 2013) - Minha coleção de gravações de jongos de 1948 e início de 1949 em torno de Vassouras, sua recente conversão de fio de arame para CD e sua difusão no Brasil, me parecem questões de puro acaso. Estão relacionadas com a breve exposição às gravações de Melville e Frances Herskovits, realizadas em trabalhos de campo entre o Daomé e o Haiti, que me sensibilizaram para a magia da tecnologia e da memória.
(Stanley Stein, 2013) - Além disso, houve as notáveis narrativas da escravidão e da pós-abolição oralmente recolhidas no Sul dos EUA, reunidos durante a Grande Depressão (1929-1930) pelo Projeto dos Escritores Federais, e aproveitado por Benjamin Botkin em seu clássico livro Lay My Burden Down: A Folk History of Slavery, dedicado com sensibilidade “ao narradores”, que me sensibilizou para o significado e as recompensas de ir além da documentação disponível para capturar o que não está escrito, as vozes dos oprimidos e sua memória.
(Depoimento em Botkin, p. 269) - Depois da guerra (de Sessessão 1861-1865) comprei um violino, e eu era um bom violinista. Costumava tocar violino para as brancas dançarem. Acabei pegando o jeito, era um dom natural. Eu ainda poderia tocar se tivesse um violino. Eu costumava brincar em nossas festas de quadrilhas também, tocando todas aquelas músicas antigas – “Soldier’s Joy”, “Jimmy Long Josey”, “Arkansas Traveller” e “Black-eye Susie”.
Black-Eyed Susie · J.P. Nestor, Norman Edmonds. Times Ain't Like They Used To Be: Early American Rural Music, Vol. 5, 1920-1930.
(Stanley Stein, 2013) - Mas agora vem a lamentável conclusão da minha experiência de colecionar jongos com um gravador grande e pesado (cortesia da Embaixada dos EUA no Rio). As canções assim gravadas permaneceram sepultadas em arame, aguardando a ressurreição quase seis décadas depois.
A ressureição do som de arame se deu quando o pesquisador Gustavo Pacheco do Museu Folclórico do Brasil no Rio visitou Universidade de Princeton e, numa breve conversa, ouviu Stanley mencionar a gravação eletrônica.
(Stanley Stein, 2013) - Mas não consegui me lembrar onde havia guardado seu carretel. Mas Pacheco era um correspondente persistente, e um dia me aconteceu de abrir a gaveta inferior de um arquivo e reconhecer o carretel, e despachá-lo para o Rio.
O momento em que ocorre esse retorno da gravação de arame ao Brasil (1999) não é mera coincidência, pois faz parte do processo de revitalização e de patrimonialização dos jongos do sudeste.
Folias de reis, Calangos, Modas populares, Sambas e Jongos fazem parte de uma ancestralidade afro brasileira de grande presença na história do Vale do Paraíba.
No século XXI é quando o chamado de Cangoma (Cangoma Calling) se torna vivo outra vez, dançado, tocado e cantado pelas comunidades do Vale do Café, pois é como dizem os versos de Adeus, Cangoma – “eu vou meu cangoma fica, aqui até outra hora”.
