
Ponto de partida: LP Gente da Antiga.
A faixa 3 do lado B é Batuque na cozinha, composição de João da Baiana, interpretada pela voz de Clementina de Jesus, acompanhada ao saxofone por Pixinguinha.
Este LP da gravadora Odeon possui duas versões lançadas:
uma monofônica MOFB 3527
outra estereofônica SMOFB 3527
ambas com gravação realizada entre 10 e 17 de janeiro de 1968, com a direção artística de Hermínio Bello de Carvalho.
Batuque na cozinha nos remete ao tempo das gravações mecânicas no início do século XX, mais especificamente aos meses de maio de 1911 e dezembro de 1912, na cidade do Rio de Janeiro. Nestes meses, por aqui estiveram alguns pioneiros das gravações em disco de cera. Um deles foi Max Birkhahn, cujos dados biográficos estão postados no site Recording Pioneers.
Max foi o responsável por aquela que é considerada a primeira gravação de Pixinguinha tocando flauta, São João debaixo d’água.
O outro engenheiro de gravação (aufnahmetechniker), segundo o pesquisador Hugo Strötbaum, só pode ser identificado pelas iniciais gravadas na matriz de cera dos discos gravados no Rio de Janeiro em dezembro de 1912. O misterioso Herr S/T/W gravou um lundu canção chamado Batuque na cozinha, para a Casa Faulhaber, interpretado ao violão e voz pelo não menos misterioso Zeca.
Os discos vêm identificados com o selo alemão Favorite, prensados na fábrica da Alemanha e vendidos pela Casa Faulhaber do Rio de Janeiro. Os discos Favorite só tinham uma música gravada em um lado, pois a patente para prensar discos duplos no Brasil era uma exclusividade da Casa Edison, casa gravadora fundada em 1900 por Frederico Figner no Rio de Janeiro.
Do ponto de vista do gênero musical e da autoria, o Batuque na cozinha gravado em dezembro de 1912 é um produto cultural híbrido. O misterioso intérprete Zeca canta com um sotaque inclassificável. A escuta permite aventar a possibilidade de que Zeca fosse um imigrante cantando coisas folclóricas do Brasil. Na escuta, depois do verso de abertura – batuque na cozinha, sinhá não quer – o texto lítero-musical dialoga com formas improvisadas de uma cultura oral rural brasileira sempre revisitada. Versos como: “no caminho (de Minas) do sertão uma onça me roncou”, estão presente na canção Do Pilá, de Jararaca (1938), regravada por Marlui Miranda (1979) e Renato Braz (1998).
O violão de Zeca (1911), apoiado nos baixos, acompanha o canto com o balanço de quem toca num baile. Como explica o musicólogo Carlos Sandroni em Feitiço Descente, até meados da década de 1890, danças balançadas, como o maxixe, se faziam ao som de músicas que ainda não se chamavam assim: eram polcas, lundus, tangos (e todas as combinações desses nomes), era quase tudo que fosse escrito em compasso binário, tivesse andamento vivo e estimulasse o requebrado dos dançarinos através do “sincopado”. Nesse contexto de transição do rural ao urbano na música popular brasileira é gravado o lundu Batuque na cozinha, por Zeca para a Casa Faulhaber em disco mecânico de 78 RPM.
