
Ao fundo, entre os ruídos de reprodução dos velhos discos mecânicos, ouve-se a voz do locutor anunciando: “Os oito batutas, executado pelo grupo do Pixinguinha para a Casa Edison, Rio de Janeiro”. Ao som da gravação de 1919 da composição Os Oito Batutas, de Pixinguinha, introduzimos o nosso tema de pesquisa sobre uma história do som brasileiro relacionando o som de Pixinguinha ao nosso personagem Safira, a agulha do toca discos, recorrendo a uma resenha anônima, postada no site do Instituto Paulo Moura, sobre o CD Paulo Moura e os Batutas, lançado pelo selo Rob Digital em 1998.
A resenha, intitulada Os Batutas do Fim do Século, diz assim:
As gravações feitas pelos Oito Batutas na Argentina, pecam, infelizmente, pela péssima qualidade do som. Eram tempos do sistema mecânico de gravações, ou seja, a eletricidade ainda não havia sido admitida nos estúdios. Não havia microfone, equalização, mixagem, nada, enfim, que permitisse limpar o som emitido pelos instrumentistas. No fim do século XX, felizmente, é possível ouvir uma música gravada com tal limpeza que os músicos parecem tocar em nossa própria sala.
Na sequência, introduzimos os primeiros registros do som de Pixinguinha, tocando flauta aos 14 anos de idade, em gravações mecânicas realizadas em 1911. Ouvimos o forte ruído do disco que mal permite escutar a voz do locutor, que anuncia a composição de Irineu de Almeida, Salve - a Princesa de Cristal - interpretada pelo Choro Carioca para a Casa Faulhaber, Rio de Janeiro.
Neste primeiro podcast descreveremos a relação entre dois regimes de escritura, duas tecnologias que fixaram a arte de fazer som de Pixinguinha: o disco e a partitura. Ambas as tecnologias, a notação musical e a fonografia, se articulam culturalmente, pois estudos e práticas técnicas que deram origem ao fonógrafo provém de uma mesma pergunta: qual a explicação da sensação de afinação percebida pelo ouvido humano?
Para responder, Herman Helmholtz (1827-1894) apresentou um valor cultual fundamental para a divisão entre ruído e música ao longo da História. Diz Helmholtz: “A sensação de um tom musical é devida a um rápido movimento periódico do corpo sonoro; a sensação de um ruído a movimentos não periódicos”. [The Sensation of Tune,1895, [1877], P. 8]. Esta divisão norteia a técnica de reproduzir música, separando som musical de ruído.
Para introduzirmos a história da agulha do toca discos, apresentaremos a relação entre a prática da pesquisa fisológica de Helmholtz, interessado em saber como o ouvido humano percebia a sensação de afinação: ele encomendou a um amigo, Karl Rudolph Koenig (1832-1901), a construção de uma máquina para grafar o som de um movimento periódico do diapasão.


Na guerra das patentes, esta técnica ficou consagrada à propriedade de Edison. Thomas Edison (1847-1931). Mas nesta pesquisa darei destaque ao modo como homens comuns, com conhecimento da técnica, podiam iniciar suas próprias experiências.
Giuseppe Gidino, milanês residindo em Berlim no ano de 1915, conta como pediu à esposa para retirar todos os móveis do quarto para criar espaço e construir uma máquina para tornar-se um técnico de gravação:
[...] voltando para casa às oito da noite, dessa hora até meia-noite trabalhei na construção de um gravador, e depois de algum tempo consegui montar um que era uma aberração, é bem verdade, mas, mesmo assim, era uma máquina que se adequava suficientemente bem ao meu propósito. Também inventei uma caixa de som para gravação, e depois de muita luta com as ceras, utilizando instrumentos primitivos, e com a ajuda de alguns amigos que tocavam violão e bandolim, comecei minha carreira como técnico de gravação (as recorder).
Giuseppe foi um dos pioneiros do áudio a trabalhar para gravadora Favorite Records, então sediada em Berlim, a primeira a gravar Pixinguinha em 1911, no Rio de Janeiro. Vamos começar por ai...
