
Em pequena nota intitulada “Cartola”, o Jornal do Brasil em 1960 noticiava o retorno do fundador da Estação Primeira.
O velho compositor “Cartola” fundador da Escola de Samba Estação Primeira voltou ao seu comando depois de uma ausência de mais de 10 anos, é a maior atração da Mangueira, que ensaia na quadra cimentada no Cerâmica Esporte Clube, na Rua Visconde de Niterói, bem ao pé do Morro do Telégrafo.
Vamos ouvir o som de um ensaio no Cerâmica, em gravação de 1962, no LP Ensaio Geral, da Philips:
Palácio Encantado, de Ipê e Jurandir. Interpretado com as pastoras da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira.
A nota prossegue:
“Cartola” é Diretor de Harmonia e nos ensaios, de vez em quando, faz a Escola cantar, em coro, os seus velhos sambas.
Aspas para Cartola – “Nunca devemos esquecer que era o coro das pastoras da Mangueira o preferido de Noel Rosa para fazer as gravações de suas músicas”.
Quem não dança, de Noel Rosa e Ismael Silva, 1933
Em uma segunda nota publicada no mesmo ano no Jornal do Brasil, intitulada “Em Mangueira”, ficamos sabendo do encontro entre Ismael Silva e Cartola, em que Ismael pergunta se havia mais sambistas da velha guarda, e Cartola responde:
“Há sim, o Juvenal”.
Conhecido como Nanal do Estácio, Juvenal Lopes foi um dos fundadores, junto com Ismael, da Deixa Falar, aquela que ficou conhecida como a primeira escola de samba do Brasil. Juvenal conta que, a princípio, o nome comum aos grupos que se dedicavam ao samba era time. Bide (Alcebíades Barcelos) relembra um samba feito no Estácio falando do time vermelho e branco.
Sempre vencemos, nunca perdemos.
O nosso time é do Estácio.
Vamos pra balança,
Não damos confiança...
Peso é peso, braço é braço...
Juvenal Lopes indica outro samba de Cartola feito na mesma época para o time verde e rosa.
Chega de demanda, chega.
Com esse time temos que ganhar.
Somos a Estação Primeira,
Salve o Morro da Mangueira.
Juvenal também foi fundador da Estação Primeira e voltava à Mangueira depois de 15 anos afastado. No Buraco Quente conheceu todos os blocos dos anos 1920: Tia Tomásia, Tia Fé, Mestre Candinho e o bloco dos Arengueiros, que era constituído por cinco famílias que se fantasiavam de baianas no carnaval, e deu origem à Estação Primeira em 1928. Rubem Confete fala de Cartola e confirma.
Cartola fala das relações entre as escolas de samba naqueles anos e canta Velho Estácio.
Acervo sonoro da FUNARTE. Sobre Cartola. Apresentação: Sérgio Cabral. Show na sala Funarte Sidney Miller, Rio de Janeiro, 1978.
Em 16 de junho de 1961, o Caderno B do Jornal do Brasil dá a seguinte manchete: "Turismo oficializa o fim das escolas de samba como folclore". Matéria assinada por Sergio Cabral.
Quem quiser assistir ao desfile de escolas de samba, a partir do próximo ano, terá de ir ao Maracanã e pagar entrada. Com isso, as escolas de samba terão uma fonte de renda, mas perderão definitivamente o direito de entrar no calendário folclórico, pois vão passar à condição de show.
Fala de Sergio Cabral sobre o samba de consumo:
Sérgio Cabral. Show na sala Funarte Sidney Miller, Rio de Janeiro, 1978.
Em 1962, Juvenal Lopes assumiu a presidência da Mangueira. Uma de suas primeiras providências foi incorporar Mangueira ao nome oficial da escola. Até então o nome era somente Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira.
Em 1964, outra nota no mesmo Jornal do Brasil, noticiava a inauguração do restaurante de “Cartola”.
José Flores de Jesus, o Zé Keti, veio ontem convidar todo o Rio para a inauguração do restaurante do Cartola, o fundador da Estação Primeira de Mangueira, que resolveu estabelecer-se na Rua da Carioca, 53, “confiado nos quitutes da mulher, D. Zica”.
A mesma nota fala da gravação de Nara Leão das canções de Nelson Cavaquinho, Cartola e Zé Keti “na melhor tradição do morro”. Acrescentando que Zé Keti lamentava apenas que a comercialização musical matasse um pouco a tradição dos grandes sambas do morro. Poucos meses depois, o mesmo jornal divulgava o casamento de Cartola e Zica.
Angenor de Oliveira, o Cartola das rodas de samba, compositor da Estação Primeira de Mangueira e sócio do restaurante Zicartola, depois de viver 12 anos com dona Euzébia da Silva, levará a dedicada companheira e musa aos pés do altar.
Grande Otelo canta em homenagem a Zica:
Show na sala Funarte Sidney Miller, Rio de Janeiro, 1978.
Em 1969, em depoimento gravado por Jacob do Bandolim, Cartola fala das escolas de samba:
Jacob - Cartola, fala assim sobre o que você acha dessa situação atual, por exemplo, de escola de samba?
Cartola – Eu vou dizer, eu, se eu voltasse pra escola de samba, a minha escola perdia todos os anos. Eu tiraria noventa por cento de surdos, tarol, caixa de guerra, acabava com isso tudo. Ela ia perder um bocado de anos, mas ia voltar depois a mostrar o que é escola de samba. Ia lá pra traz, pra Praça Onze, mas vinha como escola de samba. Com um surdozinho, tamborins, pandeiros, violão e cavaquinho.
Jacob- Você não tem mais voz ativa em nenhuma escola, tem?
Cartola- Não, não. Nem quero. Eu sempre fui Mangueira, só saí em Mangueira. Eu fui diretor de harmonia em Mangueira até quando quis. Quando não quis mais, não saí em escola nenhuma.
Mais sobre Cartola e Mangueira aqui.
