
Em 1964, Paul Wilbur Klipsch, pioneiro norte-americano da engenharia de áudio, diz:
“O artigo a seguir é uma reimpressão de um dos mais importantes textos na área do áudio. Os fundamentos não mudam. As leis da física perduram. Ao reimprimir o Simpósio sobre Perspectiva Auditiva, os fundamentos são reafirmados.”
A publicação traz seis artigos assinados por engenheiros elétricos tratando dos seguintes temas sobre a perspectiva auditiva humana em uma sala de concerto: requisitos básicos; os fatores físicos; alto-falantes e microfones; amplificadores; linhas de transmissão; adaptação do sistema. Todo o corpo técnico e teórico do texto diz respeito a uma experiência narrada assim:
Em 27 de abril de 1933, mais um marco no desenvolvimento da arte da comunicação foi aprovado, quando a música da Orquestra Sinfônica da Filadélfia foi coletada no Academy of Science Hall na Filadélfia e reproduzido no Constitution Hall em Washington, D. C., com fidelidade, profundidade e efeito espacial que efetivamente criou a ilusão de que a orquestra estava presente atrás da cortina do palco.
No mesmo ano de 1933, o psicólogo Rudolf Arnheim narrava em seu livro, A estética do rádio, a seguinte história:
"Enquanto o leitor lia as últimas páginas do capítulo anterior do meu livro, o alto falante que está do seu lado recitava, com agradável voz de barítono, as últimas cotações da bolsa de valores: agora está calado e só emite um suave chiado; o leitor fecha seu livro e se dispõe a sair, quando uma nova voz anuncia que vai ao ar a Oitava Sinfonia de Beethoven. Enquanto isso o leitor, com o casaco vestido, interrompe o início da abertura de Beethoven apenas pressionando um botão; contudo, ao longe segue ouvindo a música, que soa mais baixa e bem mais grave, vinda do quartinho ocupado pela porteira do prédio, a quem o leitor saúda com a cabeça quando passa diante de sua porta. Uma vez na rua, Beethoven segue soando, com uma tonalidade rascante e rouca, saindo da oficina do sapateiro; outro som mais suave vem do segundo andar de um chalé, enquanto na praça do mercado se escutam os sons estridentes que emite o alto falante do rádio de um pequeno café. Temos assim um mensageiro acústico, que vai de casa em casa, por todos os lugares, sem nenhum impedimento." (Arnheim, 1933, P 153)
A obra mais famosa de Pixinguinha, com centenas de gravações realizadas em todo o mundo, é “Carinhoso”, um dos ícones da música popular brasileira. Conta Pixinguinha no Bar Gouvêa, Rio de Janeiro, em 27 de abril de 1966 ao professor João Baptista Borges Pereira, do Departamento de Antropologia da FFLCH/USP:
“Compus o “Carinhoso” mais ou menos em 1920. Era uma peça instrumental, com bastante influência do jazz americano”.
Para comemorar o 5º aniversário da direção artística de César Ladeira na Rádio Mayrink Veiga, em 1938, Pixinguinha escreveu um arranjo sinfônico para o Carinhoso, editado no livro Pixinguinha – Outras Pautas.
Escutemos a trajetória do choro orquestral sob a perspectiva auditiva do Simpósio:
Requisitos básicos. O choro orquestral surge diante dos microfones de gravação para reproduzir um gênero instrumental popular em alto-falante monofônico.
Carinhos, como foi batizada a composição de Pixinguinha gravada no lado B do disco Victor 33209, de 1929, era interpretada pela Orquestra Victor Brasileira, com direção de Alfredo Viana "Pixinguinha". O mesmo número 33209 é atribuído à matriz de um disco Victor de 78 rpm norte-americano. Sem cópia para audição, She's drivin' me wild é um foxtrote gravado pela Don Bestor Orchestra, em 1925. A música instrumental brasileira segue um caminho análogo à americana, com formação orquestral semelhante às jazz/dance bands, como a de Don, que contava com: 3 saxofones, cornet (que é um pequeno trompete), trombone, tuba, banjo, piano and traps (que é um set de bateria montado sobre bumbo). A Victor Talking Machine chegou ao Brasil para fazer concorrência à Odeon e, segundo Sérgio Cabral, seu estúdio de gravação ficou instalado à Rua do Mercado, nº 22, terceiro andar, tendo como técnicos responsáveis os norte-americanos John Penninger e Richard Leslie Evans. Richard se tornaria o diretor artístico da gravadora, ficando conhecido popularmente como Mr. Evans.
Linhas de transmissão e amplificação são técnicas globalizadas, mas a música transmitida por rádio teve um forte caráter comunicacional de identidade. Almirante, no seu programa O Pessoal da Valha Guarda, de 03 de março de 1948, dizia o seguinte:
“cada país deveria se empenhar para que bom número de suas canções atravessasse todas as fronteiras, levando os outros povos à certeza de sua existência, e o meio de reconhecer suas criaturas. Mas tais músicas deveriam ter penetração nas massas, e para isso, ouvintes, só mesmo a música popular. Envidemos, pois, esforços desde já, para que nossas músicas sejam conhecidas em todo o mundo, e um dia, quando um viajante brasileiro chegar aos mais longínquos países, não precisará dizer de boca, com palavras, a sua nacionalidade, bastará assobiar ou cantarolar uns poucos compassos de o “Tico-Tico no Fubá”, ou do “Carinhoso”, ou do “Copacabana”, e todos saberão que ali está um patrício nosso.”
Jacob do Bandolim, assíduo ouvinte dos programas de Almirante, gravou do rádio, em fita magnética, o choro sinfônico de Pixinguinha Lamento(s), cuja partitura no Acervo Pixinguinha/IMS data de 04/04/1925. São 82 páginas, com notação escrita à mão para 3 flautas; clarinete; 2 sax altos; 2 sax tenor; sax barítono; 3 trompetes; 2 trombones; bateria; piano; 4 violinos; contrabaixo; e uma pauta orientando a regência.
Os fatores físicos interferem no som que, em 1968, Jacob do Bandolim deixa gravado como solista de Carinhoso, acompanhado pela orquestra do TMRJ, sob a regência de Radamés Gnattali, em concerto onde se destaca o microfone do bandolim sobre o fundo sinfônico da orquestra, captada como ambiente no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Adaptação ao sistema foi o que ocorreu em 1971, com a transição ao universo da estereofonia. Carinhoso, primeira faixa no lado B do LP Som Pixinguinha, recebeu duas mixagens, MFOB (mono) e SMFOB (estéreo) 3671, na gravadora Odeon. Toda a ficha técnica foi referenciada, com a gravação de Nivaldo Duarte de Lima, Jorge Teixeira da Rocha e Zilmar Araujo, o corte de laboratório do LP foi de Reny Lippi, sob a direção técnica do engenheiro de som Zoltan Merky. A direção musical foi de Lyrio Panicali, com regência de Orlando Silveira, produção de Milton Miranda, tendo como assistente a Hermínio Bello de Carvalho. Layout e foto foram feitos por Fernando Azevedo.
